3. A missão das bibliotecas: muito mais que livros

VAMOS PENSAR JUNTOS UMA NOVA BIBLIOTECONOMIA?

  1. A Primavera Árabe: Espere o excepcional
  2. O argumento para melhores bibliotecas: aumentar o impacto
  3. A missão das bibliotecas: muito mais que livros
  4. Facilitando a criação de conhecimento
  5. Melhorar a sociedade: acredite!
  6. Comunidades: a plataforma
  7. Bibliotecários: trabalhem com brilhantismo
  8. Plano de Ação: Acredite Mais

A biblioteca da Universidade de Syracuse estava cheia e não havia mais espaço nas prateleiras. Isso não é um problema incomum paras as bibliotecas, indiferente o seu tamanho, e as soluções para este “problema” variam do descarte até a construção de um novo prédio. Syracuse tentou a primeira opção, depois a segunda, e finalmente no armazenamento fora da biblioteca. Os bibliotecários separavam os itens que não eram emprestados há 10 anos ou mais e os levavam a um depósito a cinco horas de distância. Se um destes itens fosse requisitado, ele voltava para Syracuse para ser digitalizado e enviado diretamente para o computador do professor ou do aluno.

Você pode achar que são poucos os livros que não são emprestados num período de dez anos, mas você está enganado. Qualquer biblioteca empresta livros segundo a regra dos 80/20. De um acervo, 80% do que será utilizado corresponde a 20% do acervo total. Ou seja, você pode descartar 80% dos livros do seu acervo e ainda assim atenderá 80% dos pedidos de sua comunidade. Então, por que manter o restante? Bem, você jamais saberá se um interagente dos 20% irá precisar de um dos livros.

A biblioteca na Universidade de Syracuse, no entanto, não estava descartando os livros de baixo uso, penas os trocava de lugar, o que parece lógico. Entretanto, o Departamento de Ciências Humanas não estava gostando disso. Professores de Teologia e graduandos em História protestaram com manifestações na biblioteca e escreveram ácidos textos. “Por que não podemos colocar os livros em um local dentro da universidade?”, “Por que começaram a fazer isso justamente pela nossa área?”

Enquanto os bibliotecários estavam esperando por alguma resistência ao plano de levar os livros para outro local, eles foram pegos de surpresa. Por anos, os bibliotecários somente potencializavam o uso do espaço da biblioteca. Com o acréscimo de espaços de aprendizagem, cafés, novos serviços e até mesmo réguas de energia elétrica, a biblioteca recebeu outros usos. A biblioteca estava cheia, mas não de livros e sim de pessoas. O problema era que os acadêmicos de Humanas achavam que a biblioteca não era espaço para café e atividades diferentes, que não envolvessem livros, para eles, uma mesa a mais na biblioteca era menos uma estante, portanto, menos livros.

Esta ideia de que bibliotecas são espaços de livros, é fortemente limitada aos acadêmicos de Humanas. Há alguns anos em Syracuse, foi criado um programa de reciclagem de livros. Todos os anos os moradores poderiam colocar numa caixa os livros que queriam descartar. Entretanto, muitos cidadãos ficaram alarmados com o ato e pediram que a biblioteca pública intervisse: “Não reciclem seus livros, doem à biblioteca!”. E a biblioteca disse não, não por estar cheia, mas porque era uma ocupação a mais.

A biblioteca não tinha equipe suficiente para catalogar e classificar os milhares de livros que chegariam – ao menos foi o que disseram inicialmente. Assim, os membros da comunidade começaram a organizar os escoteiros para fazer este trabalho de catalogação e aí a verdadeira razão veio à tona: muitos livros de pouco valor e bastante estragados.

Bibliotecários escolares regularmente recebem doações de revistas National Geographic porque elas têm muito “valor”. Para estes doadores não importa se a biblioteca não tem espaço ou que posteriormente estas revistas poderão ser acessadas digitalmente.

Em Glendale, uma vila suburbana afluente de Cincinnati, os cidadãos começaram a montar sua própria biblioteca com livros doados. Com as prateleiras alinhadas e organizadas, as portas foram abertas. Depois de uma semana, o movimento simplesmente sumiu. O que aconteceu foi que as pessoas não queriam ler os livros que foram doados por eles mesmos e assim, acabaram indo a bibliotecas públicas, mesmo estando elas a cinco quilômetros de distância.

Estas pequenas histórias destacam um dos maiores mitos das bibliotecas modernas, de que bibliotecas são exclusivas para livros. Se você pensou o mesmo, está perdoado, pois as bibliotecas se dão muito bem lidando somente com livros e muitas delas ainda propagam esta imagem há muitos anos.

À primeira vista, mesmo um dos mais famosos ideais sobre bibliotecas falam sobre livros. Em 1931, S. R. Ranganathan propôs suas cinco leis da Biblioteconomia. Estas leis tornaram-se uma pedra angular sobre bibliotecas:

  1. Livros são para usar.
  2. A cada leitor o seu livro.
  3. A cada livro o seu leitor.
  4. Poupe o tempo do leitor.
  5. A biblioteca é um organismo vivo.

Pode-se perceber que a ideia de que bibliotecas são espaços de livros está no DNA da Biblioteconomia.

Agora vamos pensar: Por que os livros são centrais nestas leis? Se Ranganathan tivesse vivido há 2 mil anos, ele teria dito “pergaminhos são para o uso”? Se trocássemos os livros por e-books ou páginas web, estas ideias continuariam verdadeiras? Eu creio que sim. Estas leis realmente indicam que o centro da biblioteca é a comunidade. O trabalho da biblioteca é atender às necessidades de sua comunidade e não ser simplesmente um local cheio de materiais.

Bibliotecas, boas e ruins, existem há centenas de anos. Através de todo este tempo, obviamente elas se tornaram “depósitos” de materiais informacionais, mas também foram além disso, passaram a ser espaços de aprendizagem e recentemente até como incubadoras de desenvolvimento econômico. Na verdade, a ideia de que bibliotecas são entupidas até o teto de livros e outros documentos sobreviveu somente até os anos 80.

Veja só como é atualmente a Biblioteca Livre da Filadélfia

Figura 2: Atual sala de música da Biblioteca Livre da Filadélfia
Figura 2: Atual sala de música da Biblioteca Livre da Filadélfia

Livros em prateleiras entre colunas: uma biblioteca. Agora, veja a mesma biblioteca nos anos 20:

Figura 3: Sala de música da Biblioteca Livre da Filadélfia no ano de 1927
Figura 3: Sala de música da Biblioteca Livre da Filadélfia no ano de 1927

Sim, é o mesmo setor. Mesas de trabalho, luz natural – um espaço mais voltado ao estudo que para os livros.

Quando começamos a pensar que bibliotecas é um paraíso de livros? Elas sempre abrigaram coleções de materiais, mas este conceito de “depósito” é relativamente moderno. Esta noção surgiu num tempo em que o intuito das bibliotecas era o de ter coleções completas e para acelerar esta vontade, uma dramática queda nos preços de obras impressas. Foi somente no século XX que os livros produzidos em grande escala começaram a lotar bibliotecas e escolas.

Figura 4 – Crescimento do número de títulos publicados mundialmente
Figura 4 – Crescimento do número de títulos publicados mundialmente

Esta bibliofilia mudou o jeito como olhamos não somente para as bibliotecas atuais, mas para todas ao longo da história.

Vejamos o caso da Biblioteca de Alexandria mencionada no primeiro capítulo. Originalmente, ela foi uma das maravilhas do mundo. Hoje, quem pensa nela a imagina como uma enorme coleção de documentos sobre o mundo antigo – e realmente era. Minha história favorita desta época é sobre navios que atracavam no porto de Alexandria, um dos mais movimentados do mundo naquela época, e recebiam vários soldados que confiscavam qualquer documento que encontrassem (inclusive os utilizados no lastro). Todos estes documentos eram levados para a biblioteca, copiados e o que voltava para os navios eram as cópias e não os originais.

Mas se você está pensando na antiga biblioteca como um enorme depósito de documentos, como está na foto atual da Biblioteca Livre da Filadélfia, você está enganado. Na verdade, a Biblioteca de Alexandria se assemelhava muito mais com as universidades atuais, eram vários edifícios no espaço. Um dos primeiros foi um templo dedicado às musas chamado de “Musae” – é daí que vem a palavra “museu”. O prédio principal serviu tanto como dormitório quanto como depósito. Estudiosos do mundo todo foram convidados para se reunirem naquele local com o propósito de conversarem e de criarem, o que acabou originando num dos primeiros centros de inovação que se tem notícia.

Quando a Biblioteca de Alexandria foi destruída, a maior parte de sua coleção recebeu um novo espaço da Espanha Moura, onde os documentos foram traduzidos e lidos. Isso ficou evidente durante as primeiras cruzadas no fim da era medieval. Como cruzados “libertados” da cidade de Toledo, eles descobriram diversas bibliotecas. Deve ter sido impressionante encontrar uma das oitenta bibliotecas que possuía mais volumes do que em toda a França. Mais notável ainda é que os cidadãos não preservavam os manuscritos, eles estavam preocupados em desenvolver novas formas arquitetônicas, novos aquedutos, novos modos de governar, além da álgebra (incluindo o conceito de zero). Alguns historiadores creditam às bibliotecas do mundo muçulmano a criação das universidades e até do próprio Renascimento. Na Inglaterra Vitoriana, as bibliotecas públicas tinham salão de jogos.

Andrew Carnegie construiu mais de 2509 bibliotecas ao redor do mundo encorajando a participação democrática e oportunidades sociais. As bibliotecas públicas têm sido galerias de arte, estão levando livros para comunidades rurais com transporte próprio. Meu ponto é que, se você pensar em uma biblioteca como um monte de livros dentro de um prédio (pior ainda, se este alguém for um bibliotecário) está na hora de acreditar MUITO MAIS no potencial de uma biblioteca.

Atualmente grandes bibliotecas estão transformando seus espaços de quietude de uma ou duas salas, para grandes construções. O domínio agora não é mais dos bibliotecários, mas da comunidade. Mas o que está guiando esta transformação? O que significa o “organismo em crescimento” de Ranganathan? Adotemos uma missão a longo prazo:

A missão de uma biblioteca é melhorar uma sociedade facilitando a criação de conhecimento em uma comunidade.

Esta é uma reflexão minha, mas caso você queira entender melhor, há conceitos subjacentes que podem ser vistos no decorrer da História, onde estudiosos utilizam a biblioteca para o desenvolvimento de suas pesquisas, como é o caso deste livro, que começou nas bibliotecas de Kenya e Columbia. Bibliotecas ruins somente criam um acervo. Boas bibliotecas criam serviços. Grandes bibliotecas constroem comunidades.

Placas de pedra se tornaram papiros, papiros tornaram-se manuscritos, manuscritos em livros e estes rapidamente estão se transformando em aplicativos. As ferramentas que as bibliotecas utilizam para alcançar a sua missão, qualquer tipo de missão, irão mudar. O propósito de usar estas ferramentas (e novas ferramentas) é estável ao longo do tempo. As bibliotecas precisam trabalhar com conhecimento, não com ferramentas.

O restante deste livro falará sobre como as bibliotecas podem ir além com base nos componentes apresentados anteriormente (melhorias, conhecimento, facilitar…), mas antes precisamos pensar sobre duas questões: a leitura e a importância de ter uma missão.

Gosto de ler… mas nem tanto

Vamos resgatar a missão das bibliotecas novamente: melhorar a sociedade facilitando a criação de conhecimento. O que aconteceu com a promoção à leitura e ao amor aos livros? Crer que a biblioteca possa oferecer mais, significativa abandonar a leitura e a literatura, ficção e poesia? A razão da leitura não estar no centro desta “nova” missão é porque algumas bibliotecas não a têm também como centro. Bibliotecas públicas e escolares veem a promoção e a expansão da leitura como ferramentas de seus objetivos; bibliotecas empresariais e universitárias pressupõem que as pessoas que elas atendem já possuem o hábito pela leitura. Além do mais a leitura é ferramenta crucial para a criação de conhecimento. Alguns aprendem lendo, outros vendo, outros fazendo; mas a maioria aprende com a combinação destes verbos. Devemos esperar que as bibliotecas ofereçam todas estas modalidades de aprendizado.

Quando as pessoas me perguntam sobre bibliotecas, leitura e eu cito a missão que venho discutindo aqui, elas voltam a questionar: “Mas eu simplesmente não posso utilizar a biblioteca para ler um bom romance ou emprestar um DVD, sem querer “salvar o mundo”? Não há valor para leitura e recreação?”. Minha resposta é que sim e que a ficção é tão importante para o aprendizado e construção do conhecimento quanto a leitura técnica. Um bom romance pode revelar uma verdade fundamental que às vezes nem a Filosofia conseguiria. Além disso, inspiração para grandes ideias podem vir quando menos esperamos, inclusive deste tipo de leitura.

Muito da literatura sobre Biblioteconomia se baseia no conceito de informação e de capacitação, ignorando ou silenciando que as bibliotecas ainda podem ser espaços de recreação e do desenvolvimento da leitura. Para ser mais claro, este livro foca nas bibliotecas como espaços sociais de engajamento e aprendizado. A questão é: “as bibliotecas deveriam apoiar a leitura de recreação?” A resposta para esta questão depende de sua comunidade. A real questão gira em torno de indivíduos que querem transformar o prazer pela leitura em algo social ou orientada a um objetivo maior.

Aí eu leio um livro e me apaixono pela história. Poderia ser o suficiente para mim. Mas e se este livro me inspirasse a escrever o meu próprio livro, ou inventar algum novo dispositivo, ou formar um grupo de outras pessoas que também gostaram do livro? Não é objetivo da biblioteca determinar os resultados de cada leitura com a finalidade de dizer às pessoas o que e porque deve ser lido. Muito pelo contrário, o lugar da biblioteca é um espaço democrático de leitura, para todos lerem o que quiserem e como quiserem.

A prática leva à perfeição, portanto, quanto mais espaços de apoio à leitura, melhor (biblioteca, escola, parque, laboratório, videogames). Quando lemos as palavras “conhecimento” e “aprendizado” no decorrer deste livro, não devemos limitar somente a livros didáticos e artigos científicos. Poesia, romance e uma boa ficção científica também podem contribuir para a criação de conhecimento.

A partir de agora veremos como as bibliotecas percebem isso nas declarações de suas missões.

Missão para quem?

A declaração de uma missão é um texto muito importante, pois representa o que é mais relevante nas ações de uma organização. É na missão que temos as primeiras impressões sobre como a biblioteca atua e como ela percebe a sua comunidade. Vamos dar uma olhada em algumas missões de bibliotecas e outras organizações:

Vamos começar com a grande missão que é da Biblioteca Pública de Nova York:

“A missão da Biblioteca Pública de Nova York é inspirar o aprendizado ao longo da vida, o avanço do conhecimento e o fortalecimento de nossas comunidades”

Nada melhor que o avanço do conhecimento e comunidades fortes.

Falando em avanço do conhecimento, veja a missão das bibliotecas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT):

“A missão das bibliotecas do MIT é criar e manter um ambiente intuitivo e confiável de informações, que permita a aprendizagem e o avanço do conhecimento dentro do MIT. Estamos empenhados em desenvolver de forma inovadora serviços, estratégias e sistemas que promovam a descoberta, preservem o conhecimento e melhore a comunicação científica em todo o mundo. Nós capacitamos o MIT através de conhecimento”.

Agora a missão da Biblioteca do Congresso:

“A missão da Biblioteca é apoiar o Congresso no cumprimento de seus deveres constitucionais para promover o progresso do conhecimento e da criatividade em benefício do povo americano.”

Note que está clara a definição de comunidade: o povo americano.

Para pais, professores, gestores e todos os interessados em escolas, aqui uma ótima missão para bibliotecas escolares:

“A missão da Escola Tehiyah é inspirar a curiosidade, um forte senso de comunidade e conexão vibrante com o Judaísmo. Na Tehiyah, vivemos o currículo!”

e

“A missão do programa da biblioteca escolar é:

  • ser parte integrante da Escola Elementar Whittier e envolver sua comunidade
  • promover colaboração com criação de aprendizado autêntico a todos os estudantes
  • promover recursos de qualidade e instrução a estudantes e funcionários
  • encorajar funcionários e estudantes a serem usuários ativos da biblioteca
  • promover a leitura e o aprendizado pelo prazer e pela necessidade de informar-se”

e

“A missão do Sistema de Escolas Públicas do Condado de Howard é garantir ensino e aprendizado para que cada aluno participe de forma responsável num mundo cheio de mudanças”.

Acho fascinantes todas estas missões. Elas nos mostram que em diversas instituições a missão pode ser curta e significativa. Elas também apresentam o impacto que queremos que as bibliotecas tenham. Não é por acaso que estas organizações possuem reputação internacional.

Agora vamos ver algumas missões nem tão inspiradoras assim. Mudei os nomes das instituições para “Minha Cidade” ou “Minha Escola” para preserva-las.

“A Biblioteca Pública de Minha Cidade oferece materiais em diferentes formatos e serviços para pessoas de todas as idades, ajuda os indivíduos de sua comunidade a obter informação para suas necessidades pessoais, educacionais e profissionais. Todos os serviços da biblioteca são vigorosamente promovidos para a qualidade de vida dos cidadãos de Minha Cidade.”

Além do fato de ser uma missão que fala claramente dos materiais da biblioteca, há outro ponto ruim nela: é uma missão de biblioteca ou promoção da biblioteca? Não é um pouco arrogante dizer que a vida dos cidadãos vai melhorar por conta da presença da biblioteca? E também, o que podemos esperar desta biblioteca?

Ok, vamos à próxima:

“A missão da Biblioteca Pública da Minha Cidade é:

Fornecer materiais e serviços para as necessidades de lazer de seus clientes.

Selecionar, adquirir, catalogar, organizar e distribuir informação e materiais para as necessidades informacionais de seus clientes.

Fornecer materiais e atividades que reforcem culturalmente seus clientes, promovendo o desenvolvimento internacional, nacional, local e individual das pessoas.

Promover a formação continuada de seus clientes, apoiando a aprendizagem além dos cursos acadêmicos, com materiais que melhorem sua qualidade de vida, que atendam seus interesses pessoais e qualifique seu desempenho no trabalho.

A Biblioteca de Minha Cidade reconhece o impacto da tecnologia, da comunicação, especificamente a eletrônica, por isso, se esforça em fornecer acesso à tecnologia em diferentes formatos. No cumprimento de sua missão, a Biblioteca apoia o princípio da liberdade de expressão e o direito público ao ensino. A Biblioteca promoverá uma atmosfera livre para pesquisas, fornecendo informações sem discriminação ou preconceito”.

Minha principal queixa neste tipo de missão é a de que, perceba, está centralizada em apresentar materiais e não em promover a criação, a gestão participativa com a comunidade da biblioteca. Não é a biblioteca como um serviço, mas como uma servidora. Este é um dos principais pontos da Nova Biblioteconomia, a relação da biblioteca diretamente com sua comunidade.

Bibliotecas “para o povo” é uma antiga maneira de pensar sobre elas, parecendo que ao mesmo tempo em que a comunidade pode usar (e às vezes pagar) a biblioteca, ela também pode ser descartada. Uma nova maneira é a biblioteca “de pessoas”. A comunidade é parte integral do que a biblioteca faz e os bibliotecários são membros de pleno direito da comunidade. Os bibliotecários não deveriam trabalhar exclusivamente por causa do seu emprego ou porque precisam criar um produto que precise ser consumido pela comunidade, mas pelo fato de tornar a sua comunidade melhor, onde seus membros não apoiam a biblioteca porque são clientes satisfeitos, mas porque são parte integrante e atuante dentro da biblioteca.

Este conceito de biblioteca é análogo ao governo democrático. Quando o povo se sente parte de um governo, seus pontos de vistos são representativos, suas vozes são ouvidas, eles estão “governando”. Quando, no entanto, eles sentem que o governo é um pouco distante da classe política permanente, ocorre insatisfação (ou, em casos extremos, uma Primavera Árabe). Bibliotecas não devem ser para pessoas, mas de pessoas. Quando um membro da comunidade caminhar por uma biblioteca, ele deve vislumbrar oportunidades para contribuir, ter voz, ajudar a instituição.

Da mesma forma o bibliotecário deve apresentar um excelente serviço não somente porque assim deve fazê-lo, porque recebe um salário para isso, mas porque sua comunidade irá melhorar e consequentemente teremos melhores bibliotecários. É um ciclo vicioso e virtuoso.

Vamos checar agora outras missões desanimadoras, só que de bibliotecas universitárias:

“A Biblioteca Universitária fortalece o empreendimento acadêmico da Faculdade X, fornecendo, apresentando e preservando uma ampla variedade de recursos informacionais. Nós utilizamos abordagens inovadoras no trabalho com os professores e alunos, a fim de ajudá-los a descobrir, usar, gerenciar e compartilhar informações para os processos de ensino, pesquisa e aprendizagem”.

Para ser honesto, esta missão não é tão notória, mas ainda é muito mais sobre o fortalecimento de uma instituição através de recursos informacionais. Além disso, a inovação é algo bom, mas aqui foi tratada somente na gestão, ela não tem o propósito de convidar as pessoas a trabalhar juntas com inovação. A missão também afirma sobre como os professores e alunos podem crescer com o que a biblioteca oferece, mas não apresenta a aprendizagem com o viés da biblioteca.

Próxima:

“A missão da Biblioteca Universitária Y é apoiar as necessidades de investigação de seu corpo docente e discente, oferecendo um excelente acervo e serviços de alto nível. Em consonância com sua missão, a Biblioteca oferece suporte às necessidades de investigação da comunidade externa”.

Voltemos à biblioteca pública para fechar com mais um exemplo:

“A Biblioteca da Cidade W é um agente de serviço público que oferece a toda a população um importante acervo em diferentes formatos que registram conhecimento, ideias, e a cultura do homem de forma organizada para fácil acesso. Ênfase especial para todos os formatos a fim de promover aprendizagem ao longo da vida. A Biblioteca serve especialmente como um local para que as crianças descubram a alegria da leitura e o valor das bibliotecas”.

Como esta biblioteca pode afirmar que tem uma coleção abrangente de conhecimentos, ideias e cultura do homem? Há uma superexposição com uma sub-entrega neste caso.

Uma missão baseada em grandes expectativas

As bibliotecas possuem uma missão, que geralmente versa sobre como melhorar a sociedade onde está inserida a partir da criação de conhecimento. Obviamente, estas missões são únicas para cada uma delas, entretanto, costumam estar dentro de uma missão de uma organização maior: as bibliotecas públicas para as cidades, as acadêmicas para as universidades, as escolares para a escola e assim por diante.

Voltaremos a falar de missões de bibliotecas no capítulo cinco, onde discutirei sobre o que é “melhorar a sociedade”. A partir de agora, vamos nos preocupar sobre como as bibliotecas cumprem suas missões. Em primeiro lugar: o que faz uma biblioteca?

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