VAMOS PENSAR JUNTOS UMA NOVA BIBLIOTECONOMIA?
- A Primavera Árabe: Espere o excepcional
- O argumento para melhores bibliotecas: aumentar o impacto
- A missão das bibliotecas: muito mais que livros
- Facilitando a criação de conhecimento
- Melhorar a sociedade: acredite!
- Comunidades: a plataforma
- Bibliotecários: trabalhem com brilhantismo
- Plano de Ação: Acredite Mais
Há um ditado que diz que você não deve reunir as tropas sem uma ordem de marcha. Em outras palavras, é muito fácil de minha parte dizer que você deve acreditar mais, mas sem um plano de como fazer isso, o texto é meramente um texto. Você pode recordar que no início do livro, que as bibliotecas ruins constroem coleções, as boas bibliotecas constroem serviços e as melhores bibliotecas constroem comunidades. A partir disso, já podemos iniciar nosso plano de ação: o que fazer se você tem uma biblioteca ruim, boa ou excelente?
Plano de ação para as melhores bibliotecas
Alguns de vocês já tem bibliotecas e bibliotecários que superam as expectativas. Maravilhoso! Seu plano de ação então é muito simples: sustente-os. E isto não quer dizer financeiramente, mas sim ouvir suas opiniões, compartilhar seus sonhos, dar liberdade. É preciso espalhar que a sua biblioteca é incrível e que supera as expectativas que as pessoas têm.
Muitas pessoas acham que a era das bibliotecas já passou. Conversei com um membro do conselho que ama a sua biblioteca que disse que cada vez que menciona que fazia parte do conselho de uma biblioteca, alguém dizia “Ah, mas isso é tão ruim”. Isso acontece comigo o tempo todo (eis uma das razões de ter escrito este livro). Quando as pessoas me perguntam o que eu faço e digo que sou professor de Biblioteconomia, algumas dizem “Eu amo livros também” e outras, com menos tato, afirmam “Nós ainda precisamos de bibliotecas?”.
Acredito que muitos destes pontos de vista vêm da imagem que temos das bibliotecas do passado. Eli Neiburger disse uma vez a adolescentes que a biblioteca é uma detratora do capital social, que não era legal, divertida ou útil. Ela mudou isso junto da Biblioteca do Distrito de Ann Arbor começando um torneio de jogos dentro da biblioteca que foi coorganizado por adolescentes. Uma vez por mês a biblioteca é palco de competições como Mario Kart no Wii.
Mas Eli foi além disso. Ela queria que tivesse transmissão deste torneio para TV e internet. De repente, a biblioteca estava movimentada não só fisicamente, mas também em seu site, com várias visualizações de diferentes lugares dos Estados Unidos e até de outros países. Ela conseguiu levantar novas expectativas em cima do que a biblioteca pode vir a oferecer.
Aliás, por que jogos dentro da biblioteca? Porque os jogos também servem como ferramentas de ensino e aprendizagem, é possível até que crianças aprendam a ler a partir deles. Os adolescentes resolvem problemas e enigmas através de jogos, os estudantes universitários conseguem empregos trabalhando com eles. Até adultos utilizam os jogos para se manter mentalmente ativos. Diferentes comunidades utilizam os jogos como uma maneira de socialização.
Você deve acreditar que uma grande biblioteca procure maneiras inovadoras de engajar a aprendizagem. Uma grande biblioteca provoca conversações, reflexões.
Temos que lembrar que grandes bibliotecas necessitam de financiamento. Não podemos deixar que as bibliotecas percam em corte de pessoal e bibliotecários sejam substituídos por qualquer funcionário. Em meio à Grande Depressão, por exemplo, o orçamento da Biblioteca Pública de Nova York na verdade aumentou. Por quê? Porque a cidade viu grande valor na forma como a biblioteca estendeu a mão para a comunidade naquele tempo difícil, oferecendo educação, atualização profissional e trabalhos sociais.
Plano de ação para bibliotecas ruins
O que faz uma biblioteca ser ruim não é o seu acervo, elas podem ter acervos grandes ou pequenos. As melhores bibliotecas também podem ter grandes ou pequenos acervos. No entanto, as bibliotecas ruins veem os materiais físicos como sendo unicamente coleção, já as melhores bibliotecas veem a própria comunidade como coleção.
As verdadeiras coleções estão em nossos pais, avós, professores e estudantes. Está na imaginação das crianças e também na experiência dos idosos, que no último século tiveram um aumento na expectativa de vida de 47 para 77 anos!
Nas escolas, a verdadeira coleção não está nas estantes, mas nos esforços dos alunos em aprender e na sabedoria e paciência dos professores em ensinar. A escola por si só é uma legítima e rica coleção.
Nas universidades, onde o foco é desenvolver novos conhecimentos e preparar grandes grupos de trabalho, a coleção abrange toda a instituição. Envolve os financiadores de pesquisas, os acadêmicos, os professors e os estudantes.
As bibliotecas ruins precisam investir menos numa coleção de livros e mais nas conexões da comunidade. Elas acreditam que seu principal intuito é criar um bom acervo para as futuras gerações, mas na verdade deveria valorizar as aspirações de sua comunidade. Bibliotecas ruins constroem conexões entre itens, grandes bibliotecas o fazem com pessoas.
Não é o prédio ou a construção em si que define se a biblioteca é ruim ou excelente. Há uma biblioteca fantástica dentro da Embaixada dos Estados Unidos em Roma que é somente um conjunto de mesas, mas é ali que se reúnem diplomatas da Itália e do mundo todo. Já estive em bibliotecas construídas em edifícios fantásticos, tidas como referências, templos de sabedoria, mas elas eram quase sempre vazias, a comunidade pouco a utilizava.
É importante percebermos que as pessoas adoram bibliotecas, mesmo que elas sejam ruins. Entretanto, elas pouco as usam, ou quando usam, desafiam os bibliotecários a oferecer algo sempre melhor. Trabalhei numa grande biblioteca pública de um centro urbano que tinha, por ano, mais de 20 mil programas. Incluía atividades de contação de histórias a crianças, atividades de leitura com atores famosos. Por que 20 mil? Será que 10 mil não teriam o mesmo impacto? Quantas pessoas se beneficiaram com eles? Estes trabalhos estiveram dentro da missão proposta pela biblioteca?
Como um membro da comunidade você deve, como nas palavras de São Paulo: Examinai tudo e retenha o que é bom. Não significa que você precisa assumir o que é ruim, mas sim testar aquilo que é bom e que funciona. Ficaríamos horrorizados, por exemplo, se um médico utilizasse sanguessugas quando tivéssemos uma infecção sanguínea para tratar. Ferramentas mudam, métodos mudam e a profissão, missão e valores precisam acompanhar estas mudanças. Excelentes bibliotecas acolhem as perguntas porque são uma chance de mostrar seu valor.
Eduque-se
Este livro é curto porque foi escrito a pessoas ocupadas. Todas as informações que aqui eu trouxe, tentei exemplificar e apresentar ideias. Agora faça a sua parte. Encontre aquela biblioteca brilhante e se inspire com ela. Não estou dizendo para copiar o que ela faz, mas sim usá-la como exemplo naqueles momentos difíceis em que faltam as ideias.
Jogue
Cada biblioteca é única e uma excelente biblioteca não pega simplesmente o serviço de outra e implanta na sua sem antes analisar suas características locais. É preciso sempre experimentar as novas ideias. Excelentes bibliotecas estão atentas ao que há de mais novo, por exemplo, na web, vão atrás para garantir o acesso (nem que seja como um teste) e convidam a comunidade a participar.
A Biblioteca DOK em Delft, na Holanda, é uma das mais inovadoras bibliotecas do mundo. Lá os bibliotecários utilizam frequentemente o espaço para grandes exposições e até jardins zoológicos criados com tecnologias interativas. Fazem parcerias com grandes lojas de brinquedos para trazer os melhores e mais recentes para a comunidade.
A Biblioteca Universitária de Syracuse organizou um evento para reunir professores, bibliotecários e estudantes para demonstrar novas ferramentas de ensino. Não foi uma série de palestras e demonstrações com duração determinada, mas sim a formação de pequenos grupos que compartilhavam ideias e novos métodos e ferramentas. Excelentes bibliotecários não têm medo de demonstrar que estão aprendendo também, na verdade eles tem medo é de não aprender com alguém. Portanto, eis um ponto essencial: excelentes bibliotecas vêm de excelentes bibliotecários.
Grandes bibliotecários experimentam novos serviços e não tem medo de falhar. Há diferença entre fracasso e erro. Um erro é quando você faz algo, erra e não consegue aprender nada com isso. Uma falha é quando você consegue extrair um aprendizado. Quando os bibliotecários não experimentam coisas novas por medo de errar ou porque tem medo de alguma outra coisa (da má gestão, quem sabe), significa que eles não estão aprendendo nada.
Se para acontecer algo novo na sua biblioteca, seja um projeto grande ou pequeno, é necessária a formação de um comitê com um planejamento de 3 meses, então você está matando o processo de inovação.
Referência
Há um momento que todas estas experimentações devem se tornar serviços reais. Isso requer saber que impactos e resultados você quer alcançar com esta novidade e que estejam de acordo com o que a comunidade precisa. Será que um serviço precisa de um certo número de uso para se justificar? É necessário ter pontos de referência realistas e autênticos, para que a comunidade entenda o seu objetivo e tenha a possibilidade de colaborar para o seu desenvolvimento.
Confie em sua experiência (e seja aberto)
Você não deveria se tornar um bibliotecário para reconhecer o valor de uma biblioteca.
Tenho visto muitos bibliotecários que são extremamente resistentes às mudanças. Certa vez, questionaram um destes bibliotecários sobre porque livros de receitas estavam no mesmo lugar que livros de negócios. A resposta que ele deu foi: “É porque na Classificação Decimal de Dewey eles estão no mesmo lugar”. Ok, correto. Mas por quê? Onde Dewey conseguiu encontrar semelhanças?
Caso encerrado, certo? Na verdade, não. Mesmo que os números de Dewey informem isso, você pode colocar os livros onde achar melhor. O próprio Dewey teria dito isso.
Os livros devem estar dispostos (na verdade, deveriam estar) conforme as necessidades da comunidade, conforme ela funciona. Se você recebe uma resposta de um bibliotecário que não faça muito sentido para você, questione novamente. Isso fará ambos mais inteligentes.
Nossos pontos de vista, mesmo para atividades técnicas, precisam ser flexíveis, você precisa estar aberto às opiniões e questionamentos dos outros. As comunidades são ricas e multifacetadas, aproveite isso.
Visite
É sempre muito bom conhecer outros bibliotecários. Quando for viajar, coloque em seu roteiro algumas bibliotecas para conhecer e assim conversar com os bibliotecários que lá trabalham. Vá com questionamentos voltados aos processos, projetos e tomadas de decisão, ao invés de querer saber somente da arquitetura ou do acervo.
Está sem tempo ou grana para viajar? Lembre-se que existe o serviço de referência virtual que muitas bibliotecas oferecem. Através da web, você pode fazer perguntas, seja em tempo real ou por e-mail. Antigamente isso era extremamente novo e bastante abordado nas conferências de Biblioteconomia, para que se desenvolvesse e ampliasse este serviço.
Em uma destas conferências, cheguei em uma bibliotecária e lhe perguntei o que ela oferece em seu serviço de referência virtual. Ela, muito timidamente, respondeu que sua biblioteca não oferecia este serviço. Aí eu lhe pedi que descrevesse a sua biblioteca. “É uma biblioteca universitária que só atende a mulheres. O tipo de local onde às 21h você já está pronto para dormir.”
Então eu disse a ela: “Você não oferece este serviço porque a sua comunidade não precisa”. O público desta biblioteca era diferente, tinha horários fixos e aproveitava ao máximo os locais em seus horários de funcionamento.
Você pode estar se perguntando porque devo estudar tanto para trabalhar com bibliotecas. Se você chegou a esta parte do livro, é muito provável que você esteja inclinado a fazer isso, mas por que eu deveria visitar outras bibliotecas? Porque como seres humanos somos muito ruins em descrever aquilo que queremos sem fazer referência a algo que já conhecemos. É assim que se constroi o conhecimento.
Isso ficou claro pra mim quando Cindy Granell, bibliotecária numa escola de ensino fundamental, comentou o que o seu conselho de educação conhecia a respeito das bibliotecas. A faixa etária média entre os conselheiros é de 40 a 59 anos. Vamos analisar com os de 40 anos de idade. Calculando rapidamente, você pode perceber que eles vieram a utilizar pela última vez uma biblioteca escolar por volta dos anos 1980, antes da web e antes que os computadores fossem acessíveis financeiramente às pessoas. Naquela época, a principal ferramenta das bibliotecas era o livro. Hoje, o papel da biblioteca escolar é também trabalhar com cyberbullyng, em como encontrar informações confiáveis na web, como pesquisar em bases de dados, entre outras coisas. Se os membros do conselho nunca mais colocaram o pé nas bibliotecas, como poderiam saber disso?
Crie fóruns
Uma das coisas mais engraçadas (e por um lado, triste também) que vi em uma biblioteca foi quando estudantes protestaram quando a Universidade de Syracuse apresentou o plano de armazenamento e preservação de seu site. Os estudantes de graduação se reuniram no primeiro andar da biblioteca munidos de vários argumentos reunidos impressos em algumas páginas…. só que imprimiram poucas delas e não havia o suficiente para todos. O bibliotecário foi lá e mostrou como eles poderiam criar uma petição online colocando todos estes argumentos.
Mesmo o bibliotecário sendo contra o que estava sendo manifestado pelos estudantes, eles cumpriram com o seu papel profissional e colaboraram para que a necessidade daquela comunidade pudesse ser atendida.
Como você interage com a sua biblioteca? Há uma caixa de comentários? O que é feito com eles? Somente os bibliotecários os leem? Os bibliotecários trabalham somente com determinados públicos? Há reuniões abertas com a diretoria? A biblioteca possui conselhos consultivos? Fico espantando quando bibliotecários de bibliotecas públicas se questionam porque há tão poucos adolescentes indo à biblioteca sendo que nenhuma vez alguns deles participaram de algum conselho ou mesmo possuem um serviço prioritário a eles. A biblioteca possui um espaço aberto para conversar com os palestrantes logo após suas atividades? Quantas vezes você entrou na sala do bibliotecário diretor para conversar?
Peça na sua biblioteca para ver o “plano de conversa”. Eles provavelmente dirão que não conhecem, pois acabei de criar este termo. Mas não seria interessante ter um documento assim, que contemplasse diversas oportunidades? Não estou falando de um plano de marketing. Você deve acreditar que os bibliotecários tenham um espaço aberto para conversação, troca de ideias e criação de conhecimento.
Um bom exemplo disso é de um diretor de biblioteca universitária que visitava cada centro da universidade no período em que o orçamento era planejado. Junto ele levava uma relação de todos os periódicos e bases de dados relacionados ao centro que deveriam ser mantidas ou não suas assinaturas. Desta forma, os centros se sentiram mais próximos da biblioteca com este ato de participação.
Compare isso com outra biblioteca em que fui consultor. Lá havia um grupo consultivo formado por docentes de diferentes centros. O sociólogo do grupo achava injusto tamanho investimento em ciências físicas, sendo que de sociais era tão baixo. O físico do grupo rapidamente respondeu e estava surpreso, pois achava que o contrário acontecia, que as ciências sociais tinham muito mais investimento. Esta biblioteca, ao não incluir a comunidade em suas tomadas de decisão, não só confrontou uns com os outros, como os fez se sentir menosprezados.
Mapeie a conversação
A maneira mais eficaz de ver a relação com a comunidade não é uma lista de serviços ou de acervos. Também não se consegue isso com estatísticas ou planos estratégicos. É nas conversas que conseguimos vislumbrar todas estas possibilidades.
A biblioteca deve trabalhar para que encontre pessoas interessadas em colaborar. Numa universidade podem ser os professores, estudantes ou a equipe administrativa. Na escola também. Pode ser ainda mais específico. Num trabalho que desenvolvi para um escritório grande de advocacia, dividimos por direito civil, criminal, trabalhista e por aí vai.
Após identificar os interessados, é necessário elencar os problemas, os desejos, enfim, conversar. Se a universidade estiver discutindo atualização curricular, a equipe da biblioteca além de preparar seu acervo quanto a isso, poderia realizar pesquisas sobre as tendências de mercado que um currículo acadêmico poderia atender, novas metodologias de ensino e criação de espaços participativos para discutir o tema periodicamente.
Lembre-se também que tudo que a biblioteca venha a oferecer, é importante que haja alguma ligação entre os produtos e serviços. Isso fará com que a sua comunidade circule mais entre o que é oferecido pela biblioteca, que tenha uma experiência de pesquisa, de estudo ou mesmo de entretenimento, muito maior.
Plano de ação para boas bibliotecas
E o que falar a respeito das bibliotecas que se encontram no meio termo entre ruim e excelente? As diferenças podem ser sutis entre uma boa biblioteca e uma excelente. Há muito boas bibliotecas por aí. São dedicadas a fazer você feliz, a atender suas necessidades com um acervo atualizado. Seus sites são funcionais, bem organizados e belos. Possuem um marketing ativo e um grande banco de dados de sua comunidade. Todos acham que elas estão cumprindo com suas expectativas.
Se você quiser encontrar a diferença entre uma boa e uma excelente biblioteca, tente visitar uma livraria Borders ou uma videolocadora Blockbuster. Você não poderá. Elas não existem mais. Quando elas fecharam, os únicos sinais que você viu foram os de publicidade de liquidações e grandes descontos. Quais sinais você veria quando tentassem fechar uma excelente biblioteca? Sinais de protesto. Por quê? Porque a biblioteca é parte da comunidade.
Mas sejamos honestos. Algumas bibliotecas fecham com apenas um sussurro. Orçamentos de bibliotecas acadêmicas são reduzidos e algumas dentro de empresas são fechadas. Bibliotecas ruins são fechadas, mas as boas também. A diferença entre a boa e a excelente se resume a que a primeira serve a sua comunidade e a segunda a inspira.
Nunca limite suas expectativas sobre sua biblioteca. Acredite que ela possa ser uma grande infraestrutura de conhecimento, um centro de aprendizagem e inovação, que ela ao mesmo tempo que te inspira também possa te desafiar. VOCÊ MERECE UMA EXCELENTE BIBLIOTECA! Vamos trabalhar juntos?