1. A Primavera Árabe: Espere o excepcional

VAMOS PENSAR JUNTOS UMA NOVA BIBLIOTECONOMIA?

  1. A Primavera Árabe: Espere o excepcional
  2. O argumento para melhores bibliotecas: aumentar o impacto
  3. A missão das bibliotecas: muito mais que livros
  4. Facilitando a criação de conhecimento
  5. Melhorar a sociedade: acredite!
  6. Comunidades: a plataforma
  7. Bibliotecários: trabalhem com brilhantismo
  8. Plano de Ação: Acredite Mais

Introdução

Acredito que uma Biblioteconomia exemplar, daquela que todos queremos, deva ultrapassar fronteiras. Esta Biblioteconomia é exemplar enquanto está na universidade, ou na esfera pública, ou nas escolas. Por esta razão, este livro não é somente sobre o que acreditamos de bibliotecas públicas ou escolares, mas sim de todas as bibliotecas. As bibliotecas escolares têm muito a ensinar às outras sobre questões que abordam avaliação e aprendizagem. Bibliotecas públicas têm muito a compartilhar sobre como trabalhar com uma variada gama demográfica. Bibliotecas universitárias compreendem o poder da criação de conhecimento. Bibliotecas especializadas podem nos ensinar sobre medição de impacto.

Ao longo deste livro, usarei muito a palavra “comunidade” no seu sentido mais amplo. Enquanto o Capítulo 6 não chega, onde falarei mais a respeito disso, resta saber que comunidade é um grupo de pessoas que se reúnem em torno de algo que tem em comum. Uma universidade é uma comunidade, bem como um escritório de advocacia ou um hospital.

Meu objetivo neste livro é mostrar o potencial das bibliotecas. Este potencial jamais será alcançado se as bibliotecas ou suas comunidades construírem fronteiras rígidas. Você pode usar o que funciona em pequenas bibliotecas para informar as grandes. Ideias que nascem em bibliotecas públicas podem ser facilmente utilizadas em uma universidade ou empresa.

Onde eu puder, tentarei trazer diferentes exemplos de bibliotecas. Falar mais sobre a construção de pontes do que de paredes. Você espera que sua biblioteca e a sua comunidade olhem além das categorias em que estão. A inovação vem de todos os lugares e cabe a cada um de nós trazê-la para seu contexto.

Nota Especial aos bibliotecários

Este livro é para você utilizar quando estiver trabalhando com sua comunidade. As principais ideias são exploradas com uma profundidade maior nas técnicas do bibliotecário em meu outro livro, The Atlas of New Librarianship[1]. Se você gostaria de promover ou estudar melhor os conceitos aqui apresentados, recomendo que você leia o Atlas.

 

 

1. A Primavera Árabe: Espere o excepcional

A Primavera Árabe chegou ao Egito. No início de 2011, após o sucesso de uma revolução na Tunísia, egípcios foram às ruas para reclamarem das mudanças feitas por um governo que estava no poder há quase 30 anos. Enquanto grande parte da mídia concentrava-se nos protestos que aconteciam na praça Tahrir, na cidade do Cairo, muitos outros começavam na cidade portuária de Alexandria. Em ambas, pessoas de diferentes gerações e classes socioeconômicas, clamavam por liberdade, justiça e igualdade social. Em uma tentativa de restaurar a Constituição, que foi vista no início como uma atitude pacífica, acabou por levar à morte de 846 pessoas e mais de 6 mil feridos em todo o Egito[2]. Às 18h de 28 de janeiro, após a abertura de prisões, liberando assassinos e estupradores às ruas, toda a segurança se esvaiu de Alexandria. Aproveitando o caos, gangues de saqueadores também tomaram os espaços públicos.

Na cidade portuária egípcia, a violência e os saques devastaram os prédios governamentais. Onde antes havia escritórios, agora apenas escombros de incêndios. Um por um, manifestantes foram abatendo os prédios do poder corrupto. Alguns saqueadores e protestantes começaram a cogitar um ataque à Biblioteca de Alexandria.

O Presidente Mubarak, estopim da revolta, tinha aberto a biblioteca em 2002 ao custo de $220 milhões. Conforme o site da instituição, Mubarak a construiu para “trazer de volta o espírito de liberdade e ensino da original”[3], a famosa Biblioteca de Alexandria – uma das maravilhas do mundo antigo.

Quando se tornou evidente que a biblioteca poderia estar em perigo, manifestantes deram-se as mãos e a abraçaram. O objetivo não foi o de atacá-la, mas protegê-la. Durante os protestos e saques, os manifestantes – mulheres, homens e crianças – mantiveram-se firmes e a protegeram. Em essência, eles estavam resgatando a biblioteca para o povo. Depois que os protestos diminuíram, quando o Presidente Mubarak havia renunciado e as pessoas celebravam em todo o Egito, pode-se observar que nenhuma das janelas da biblioteca havia sido quebrada, nenhuma pedra tinha atingido suas paredes. Por que, entre toda esta manifestação, a nação decidiu proteger a biblioteca?

Por quê?

Por que histórias como esta, mesmo que menos dramática, não acontecem no Reino Unido ou nos Estados Unidos? Enquanto as cidades enfrentavam uma crise financeira devastadora fechando algumas bibliotecas, os cidadãos se reuniram, foram às prefeituras e interromperam as reuniões que aconteciam. Moradores da Filadélfia decidiram que a Câmara dos Vereadores tomasse alguma providência caso o prefeito continuasse a fechar as bibliotecas.

No Quênia, o governo está construindo Bibliotecas públicas por todo o país, em áreas rurais e urbanas. Onde as comunidades são mais remotas, foram formadas bibliotecas móveis – 5 mil livros em carros de madeira puxados por burros. Ainda mais distante, nas regiões ao Norte do país, eles ataram estas bibliotecas em camelos. Dento das aldeias, estas bibliotecas são abertas com tendas, criando um espaço para que pais e filhos aprendam juntos. Nestas aldeias, os camelos serviam para carregar leite, carne e ferramentas de trabalho, além de servir como meio de transporte. Hoje, eles são vistos como animais essenciais para um trabalho muito especial: levar conhecimento às pessoas.

No campo ao longo da costa da Colômbia, Luis Soriano viaja junto de seus dois burros, Alfa e Beta, que carregam caixas de livros. Luis, um professor de escola primária, é também o criador do “Biblioburro”. Ele leva livros para pequenas aldeias promovendo a alfabetização a crianças que por muitos anos só viam violência e conflitos naquela região. Ele começou somente com 70 livros e através de doações, a coleção foi aumentando até chegar a 4800 exemplares, indo além da capacidade dos seus amigos de quatro patas. Agora, a coleção está num pequeno quarto que se transformou oficialmente numa biblioteca filial da Biblioteca Comunitária de Santa Maria, que fica a 180km de distância[4].

Podemos encontrar bibliotecas nos mais formosos castelos da Europa ou no meio dos protestos do Occupy Wall Street. Pela elite ou pelos plebeus, as bibliotecas são admiradas de forma igual. Podemos encontrar a Biblioteconomia em selvas e desertos, nas escolas, nas empresas e agências do governo.

Quando tentamos descobrir o porquê, achamos que o poder está nas bibliotecas e nos “bibliotecários de aço”. Vai além do paradigma, do edifício ou dos livros. Os cidadãos quando protestam pelas bibliotecas, não o fazem pela arquitetura ou pelo acervo. Para encontrar a resposta a este enigma, é preciso um olhar para o passado destes edifícios de livros, para os profissionais que através da história tem servido à humanidade com um objetivo: ensinar.

Bibliotecas e bibliotecários eram o centro do crescimento do império egípcio no século 3 d.C e da expansão da matemática na Arábia no século seguinte[5]. Bibliotecas ajudaram a levar a Europa da Era das Trevas para o Renascimento e ajudaram a democracia a prosperar num Estados Unidos pós-colonial. Agora, com o advento da Internet e de uma era digital, bibliotecários novamente são indicados como uma peça-chave para uma sociedade melhor, fundamentada no conhecimento e nos diversos pontos de vista. Este livro é sobre aquelas bibliotecas e bibliotecários que podem nos trazer uma luz para esta sociedade melhor, como trazer o futuro para o presente.

Os bibliotecários de hoje estão utilizando as lições que aprenderam ao longo de 3 mil anos de História a construir uma nova Biblioteconomia que não seja baseada em livros ou outros artefatos, mas no conhecimento e na comunidade. Eles estão aproveitando as oportunidades da tecnologia para capacitar e engajar as suas comunidades. Estes bibliotecários são importantes agentes em salas de aula, salas de reuniões e câmaras legislativas. Eles construíram a web antes de nós a chamarmos de web. Compartilham conhecimento e sabem trabalhar com uma montanha de informação antes da existência do Google e do Facebook. Estes bibliotecários não são ameaçados pela Internet, eles a acompanham.

O campo da Biblioteconomia representa um investimento próximo de 7 bilhões de dólares nos Estados Unidos e de 31 bilhões em todo o mundo[6]. Em uma época em que organizações tradicionais estão declinando, a biblioteca tem crescido nos últimos 20 anos. Você sabia que nos Estados Unidos há mais bibliotecas públicas que restaurantes do McDonald’s e que os americanos vão às bibliotecas três vezes mais que ao cinema?[7] Quando entendemos o trabalho dos bibliotecários e as bibliotecas, descobrimos como criar credibilidade e confiança em uma comunidade aberta para mudanças e escolhas. Podemos descobrir como criar um ambiente que também se possa discordar, mas que também tenha civilidade. Ao entendermos esta nova Biblioteconomia, podemos identificar qual o papel de cada cidadão dentro da sociedade.

Talvez a grande pergunta que você esteja se fazendo, e que é o centro deste livro, é por que muitas pessoas veem a Biblioteconomia como antiquada, conservadora, pouco inspiradora? Por que é que as pessoas que adoram bibliotecas e bibliotecários rapidamente fazem uma ligação com livros ou crianças ou simplesmente como espaços que guardam a História? A resposta é que estas pessoas não estão erradas, mas que elas precisam idealizar mais. Muitas bibliotecas estão, são livros. Muitos bibliotecários revivem a História e estão presos num conservadorismo profissional que favorece o que eles fazem acima do porque eles fazem o que fazem. Muitos bibliotecários acreditam que seus empregos dependem dos acervos e não da comunidade. Muitas bibliotecas estão apenas sobrevivendo ao invés de inovar, estão promovendo a paixão pela leitura ao invés de um empoderamento para os cidadãos. Não estou afirmando que a maioria é composta destes bibliotecários, mas eles são numerosos e suas comunidades (você) esperam um pouquinho mais deles.

Este livro não foi escrito exclusivamente para estes bibliotecários, mas para pessoas que apoiam e fazem a gestão de bibliotecas. E isso inclui reitores de universidades, estudantes, pais, membros de conselhos, voluntários, e, bem, a todos os cidadãos. Vocês precisam saber do que as bibliotecas são capazes, vocês precisam aumentar as suas expectativas.

Ao longo do livro você encontrará exemplos incríveis de bibliotecas e bibliotecários. Hoje, muitos destes podem ser chamados de excepcionais, assim como você chamaria os bibliotecários do Egito ou do Quênia. Esta é a raiz do problema. Estas bibliotecas podem ter sido excepcionais em algumas circunstâncias, mas sua dedicação para os serviços e a conexão com suas comunidades, não devem ser interpretadas como exceções à regra. Elas deveriam ser o exemplo a que todas sonham.

Neste livro você lerá sobre uma biblioteca pública que criou um Fab Lab (laboratório de fabricação) – um espaço onde a comunidade pode trabalhar com impressoras 3D e assim criar novas invenções. Você vai ler sobre uma biblioteca escolar onde o bibliotecário também se ocupa a elevar a performance dos professores. Você vai ler sobre bibliotecários criando novas empresas na área rural de Illinois e transformando vidas em Dallas. Estes são os bibliotecários e bibliotecas brilhantes, mas se você os vê como excepcionais – além da regra – você pode idealizar um pouco mais de sua biblioteca.

Aqui está a chave para o sucesso de sua biblioteca: você. Em uma cidade ou numa das 500 melhores companhias eleitas pela Fortune, a biblioteca deve moldar-se ao contexto e adotar os mesmos objetivos. Se a sua comunidade se esforça para crescer, a biblioteca também precisa crescer. Se você se preocupa com o futuro, ou com a economia, ou com o futuro da democracia em seu país, sua biblioteca também deve se preocupar. Se você torna pública estas preocupações, se se prepara com o possível e o impossível, então a biblioteca e os bibliotecários podem abraçar estes ideais e objetivos. Claro, é uma via de mão dupla. Grandes bibliotecas esperam muito de suas comunidades e vice-versa. Sim, grandes bibliotecas também necessitam de apoio financeiro, uma comunicação aberta sobre suas necessidades, seus desafios, seus sonhos.

Este livro não será uma carta de declaração de amor às bibliotecas. Não estou tentando transformá-lo em um bibliotecário tradicional. Pelo contrário, é um diálogo honesto e realista sobre o lugar das bibliotecas e bibliotecários em suas comunidades. Junte-se a mim, vamos juntos explorar todo este potencial!

[1] Lankes, R. D. (2011). The atlas of new librarianship. Cambridge, Mass: MIT Press.

[2] http://en.wikipedia.org/wiki/2011_Egyptian_revolution – Sim, é isso mesmo que você vê! Um bibliotecário usando informação da Wikipedia. E eu farei muitas vezes isso ao longo do livro. Penso que a forma como os textos na Wikipedia são construídos é muito mais transparente e rápida do que as enciclopédias tradicionais. Obviamente que também irei checar os dados em outras fontes de informação, como toda pesquisa que se preze.

[3] http://www.bibalex.org/aboutus/overview_en.aspx (acesso em 19 maio 2012).

[4] Veja: http://en.wikipedia.org/wiki/Biblioburro (Acesso em 08 maio 2012) e http://www.nytimes.com/2008/10/20/world/americas/20burro.html (Acesso em 08 maio 2012).

[5] http://www-history.mcs.st-and.ac.uk/HistTopics/Arabic_mathematics.html (Acesso em 08 maio 2012).

[6] http://www.oclc.org/us/en/reports/2003libsstackup.htm (Acesso em 19 maio 2012)

[7] http://www.ala.org/ala/aboutala/offices/ola/quotablefacts/QF.3.8.2010.pdf