7. Bibliotecários: trabalhem com brilhantismo

VAMOS PENSAR JUNTOS UMA NOVA BIBLIOTECONOMIA?

  1. A Primavera Árabe: Espere o excepcional
  2. O argumento para melhores bibliotecas: aumentar o impacto
  3. A missão das bibliotecas: muito mais que livros
  4. Facilitando a criação de conhecimento
  5. Melhorar a sociedade: acredite!
  6. Comunidades: a plataforma
  7. Bibliotecários: trabalhem com brilhantismo
  8. Plano de Ação: Acredite Mais

Caso ainda não tenha notado, ao longo de todo este livro eu cometi uma mentira semântica. Falei o que bibliotecas fazem e não fazem, o que deveriam ou não fazer. Mas as bibliotecas não fazem coisa alguma, são prédios, são construções. Mesmo o melhor conceito sobre biblioteca como uma organização ainda assim é um conceito abstrato. O trabalho e o impacto que as bibliotecas podem trazer são resultados de pessoas. São profissionais, voluntários, conselheiros, zeladores. Todo o trabalho e o seu impacto é resultado direto dos bibliotecários.

Há três maneiras básicas para se tornar um bibliotecário: você pode ser contrato como um, você pode estudar para ser um ou você nasceu para ser um. O primeiro é o mais fácil e muitas vezes o menos eficaz. O segundo é um meio mais demorado, costuma ser exigido por lei e traz resultados mais eficazes. O último é raríssimo e muito poderoso. Em seguida falarei sobre cada um deles, apontando os aspectos positivos e negativos e o que podemos esperar.

Bibliotecário empregado

Na área rural de Vermont poucas pessoas obtêm a pós-graduação para se tornar bibliotecário (Nota do Tradutor: Lembre-se que a realidade retratada neste livro é a norte-americana, onde Biblioteconomia é um curso de pós-graduação). Os custos são demasiado altos e os salários pouco atrativos, portanto, baixo retorno no investimento. Nesta região há muitas pessoas que trabalham como bibliotecários, mas não tem formação na área.

Este contexto não se restringe somente à área rural. James Billington, por exemplo, Bibliotecário do Congresso, tem formação em História. São ainda resquícios de séculos anteriores onde o título de bibliotecário era dado a professores e outros profissionais da área de Humanas.

Há algumas vantagens em se contratar este tipo de profissional. Eles podem trazer perspectivas diferentes às bibliotecas, seus salários são menores e podem ter um envolvimento grande com a comunidade do que alguém contratado de outra região e já formado.

Por outro lado, há substanciais desvantagens. Eles não possuem certas habilidades técnicas, são básicos ao modo de trabalhar a organização dos recursos da biblioteca e não percebem o real valor que a Biblioteconomia pode trazer à sua comunidade. Para eles, muitas vezes as bibliotecas são salas cheias de livros.

A chave para um profissional assim ser um bibliotecário de sucesso é a dedicação e iniciativas para formação continuada. Estados como Vermont possuem programas de capacitação para estes profissionais, com programas de aperfeiçoamento focados em atividades mais técnicas. Toda equipe de biblioteca, indiferente da sua origem e formação precisa se dedicar para um desenvolvimento contínuo.

Bibliotecário graduado

Para se tornar bibliotecário é necessário obter um título de mestrado em Biblioteconomia e Ciência da Informação. Nos Estados Unidos, estes programas são credenciados pela Associação Americana de Bibliotecários, com cerca de 60 deles em toda a América do Norte (sou professor em um deles). Provavelmente a pergunta que mais frequentemente os estudantes destes programas ouvem é “Precisa de mestrado para trabalhar em bibliotecas?”

Eu entendo que as pessoas façam esta pergunta, afinal, muito do trabalho do bibliotecário é facilitar alguma coisa para as pessoas. Abordarei esta questão um pouco mais profundamente logo adiante. Enquanto isso, deixe-me apresentar algumas das habilidades que os bibliotecários ganham ao se formar.

De acordo com a Associação Americana de Bibliotecários, o currículo do curso está apto a formar profissionais com algumas características:

 “Preocupa-se com a informação e preservação do conhecimento, estando atento a serviços e tecnologias que facilitem seu uso e sua gestão. O currículo de estudos de informação e bibliotecas engloba estudos sobre criação de conhecimento, comunicação, identificação, seleção, aquisição, organização e descrição, armazenamento e recuperação, preservação, análise, interpretação, avaliação, síntese, divulgação e gestão.”

Em sua grade de estudos, os bibliotecários são introduzidos numa ampla gama de habilidades úteis em bibliotecas e, como vem sendo percebido, em outras instituições como Google e empresas da Fortune 500. Bibliotecários formados obviamente trabalham em bibliotecas, mas também com arquitetura da informação, escritórios de inteligência competitiva e até mesmo como um vice-presidente (como é o caso da empresa JPMorgan Chase). Há também centenas de bibliotecários trabalhando como editores e em grandes provedores de bases de dados.

Os bibliotecários utilizam as habilidades que aprendem para identificar as necessidades de uma comunidade e construir sistemas para acesso a recursos informacionais. Isso pode significar trabalhos voltados a criação de sistemas sobre como os itens são arquivados ou até mesmo sobre a indexação de páginas web. O que a maioria das pessoas não percebem é que quando Tim Berners-Lee inventou a World Wide Web, ele estava tentando resolver um problema de bibliotecário: como encontrar artigos de Física citados em ambiente digital. Assim, numa última análise, os bibliotecários são construtores de ferramentas.

Será que a formação universitária importa? Lembre-se do que discutimos no Capítulo 4 a respeito dos bibliotecários escolares. Os estudos demonstraram que a presença de um bibliotecário formado dentro das escolas tem um impacto direto e positivo sobre os resultados avaliativos e a retenção de alunos. Foi um bibliotecário formado que colaborou com que a escola se tornasse melhor.

Os bibliotecários formados são preparados para trabalhar, tem um profundo conhecimento de campo e habilidades imediatamente úteis. São especialistas não só nas atividades do cotidiano de uma biblioteca, mas em habilidades facilmente aplicáveis com uma visão de mundo ampla para colaborar com suas comunidades.

Temos que levar em conta também que o contrário pode acontecer, com a atuação de escolas de Biblioteconomia que acabam por trazer uma visão muito tradicionalista da profissão, limitando o potencial de alguns alunos. Uma das maiores preocupações com bibliotecários formados é o que eu chamo de “labirinto de Daedulus”. Como você pode recordar, Daedulus (ou Dédalo) é um incrível engenheiro da mitologia grega que construiu um labirinto tão complexo do qual nem ele mesmo poderia escapar. Ao longo de 3000 mil anos, os bibliotecários projetaram incríveis ferramentas para que os ajudassem a construir enormes coleções. O único problema é que estas ferramentas acabam se limitando a um universo técnico demais, nos fazendo pensar de modo reducionista.

Reducionismo é quando você pega algo que é grande e complexo e o divide em partes menores para poder compreender. É por isso que o Grande Colisor de Hádrons existe, para que possamos compreender em átomos aquilo que se tornou o grande evento que foi a criação do Universo.

Alguns exemplos: em 1863 Roger Bacon pensou que o mundo das ideias poderia ser dividido em três partes: memória (material sobre história), razão (material sobre filosofia) e imaginação (material sobre artes). Foi um sistema adotado mais tarde por Thomas Jefferson para organizar a sua considerável coleção de livros (que depois foi vendida ao Congresso dos Estados Unidos após a queima da Biblioteca do Congresso pelos britânicos). Voltando para 1732, Samuel Johnson foi mais simples ainda ao dizer que somente duas classes eram necessárias: filologia (estudo das palavras e outros sinais) e filosofia (estudo das coisas significadas por estas palavras e sinais).

De todos os trabalhos voltados à vontade de classificar tudo o que há no mundo, provavelmente o que é mais associado com as bibliotecas é o de Melvil Dewey. Ele foi bibliotecário e um apaixonado defensor da revisão ortográfica e de sistemas métricos. Estes dois itens juntos acabaram por formular mais tarde a sua Classificação Decimal de Dewey.

 

000 – Ciência da computação, informação e generalidades

100 – Filosofia e psicologia

200 – Religião

300 – Ciências Sociais

400 – Idiomas

500 – Ciências (inclusive Matemática)

600 – Tecnologia e Ciências Aplicadas

700 – Artes e entretenimento

800 – Literatura

900 – Geografia e história

 

Cada uma destas categorias poderia ser subdividida em itens ainda mais específicos. Enquanto os livros de História se encaixam na classe 900, livros sobre a História da África entram em 960 e a História do Egito e Sudão em 962, por exemplo. Você pode ainda adicionar um ponto decimal e após ele outros números para classificar algo ainda mais específico.

A beleza do sistema de Dewey é que os números são sempre os mesmos, bem como os significados, que você pode ir traduzindo conforme cada idioma e limitação geográfica. Esta capacidade de captar uma grande variedade de temas, além do amplo trabalho de divulgação por parte de Dewey, fez com o que o seu sistema fosse aceito internacionalmente.

Quando você quebra a sua perna, você vai a um ortopedista, se for algo somente no pé, vai ao podólogo. Se tiver problemas no coração vai a um cardiologista, mas se for preciso alguma operação, vai a um cirurgião cardíaco. Está entendo meu ponto de vista? Não temos apenas bibliotecários, temos bibliotecários de bibliotecas públicas e de universidades. Ainda dentro das universidades, temos os bibliotecários de referência e os de catalogação. Veja por exemplo a Associação Americana de Bibliotecários, eles têm 11 divisões (bibliotecas universitárias, públicas, escolares, comunitárias…). Possuem também 18 escritórios para manter a Associação (marketing, diversidades, relações internacionais…). E ainda há mais! Ela possui 20 mesas-redondas, uma espécie de divisões que abordam a história das bibliotecas, liberdade intelectual, jogos e outras mais. Depois ainda há grupos de trabalho, forças-tarefa, comissões. É algo tão complexo que em sua última conferência anual foi necessária uma programação na web para que as pessoas encontrassem os eventos separados por cada uma dessas divisões e grupos especiais.

Por que isso tudo pode ser um problema? Porque assim como os médicos que estão aprendendo, o coração não funciona sozinho, faz parte de um grande sistema que pode ser afetado pelos pulmões e até mesmo pelo modo como você utiliza fio dental. Aí é que está o problema quando trabalhamos com o reducionismo: a vida é muito mais complexa do que nos sugerem sistemas universais como a Classificação Decimal de Dewey. Enquanto em algumas culturas um livro sobre a cura pela fé ou por remédios homeopáticos poderia ser encaixado em Religião em outras ele poderia entrar em Medicina.

É por isso que, graduados ou não, os bibliotecários precisam ser flexíveis e holísticos. Eles precisam manter a visão e missão da instituição, mas suas ferramentas de trabalho precisam ser fluidas. Na ciência, tanto física como social, estamos vendo que se você pegar um sistema complexo e dividir em partes e depois reconstrui-lo, verá que o todo é maior que a soma de suas partes. Uma comunidade não é um amontoado de pessoas e suas necessidades individuais. A comunidade é um conjunto de necessidades, sonhos e habilidades, que quando misturados nos apresentam a novos pontos fortes e fracos.

Muitas vezes, os bibliotecários graduados (e seus professores que os ensinam) ficam presos a técnicas e métodos de catalogação, que futuramente irão influenciar no modo de inovar e na geração de novas ideias. Acredite mais que isso, vá além!

Bibliotecários por dom

A terceira classe de bibliotecários compõe aquelas pessoas que não possuem a formação em Biblioteconomia, nem levam o “título” de bibliotecário em seus cargos, mas que claramente possuem as mesmas missões, habilidades, perspectivas e visão. Pessoas como David Rumsey.

Rumsey conquistou uma fortuna vendendo imóveis e usou este dinheiro para construir uma incrível coleção de mapas. Ele mesmo quem criou o acervo. Isso por si só não faz de Rumsey um bibliotecário, mesmo porque, é fácil encontrar pessoas que tenham construído magníficas coleções. O que torna o trabalho de Rumsey notável é que ele utilizou seus recursos pessoais para tornar pública e acessível toda esta coleção via internet. Construiu um conjunto de ferramentas para permitir a qualquer pessoa visualizar, comparar e analisar os mapas. Em essência, Rumsey conseguiu facilitar a aprendizagem e o acesso aos amantes, estudantes universitários, geógrafos e quaisquer outras pessoas que tivessem envolvimento com o assunto. Seu trabalho foi tão bem feito e visualizado, que foi reconhecido pelo Institute of Museum and Library Services (IMLS), o órgão federal responsável pelo financiamento de bibliotecas e museus.

Em diversas comunidades e locais você encontra estes “bibliotecários cidadãos”. Em Syracuse e Wisconsin, grupos comunitários criaram caixas para troca de livros. Cada caixa foi desenhada localmente e instaladas pelas ruas e nos jardins das casas. A comunidade foi encorajada a retirar aqueles livros parados nas estantes para distribuir nessas caixas. Isto não significa que bibliotecas foram construídas, mas aqui o que importa é a aprendizagem e o entretenimento proporcionado a sua comunidade.

Agora sabemos quais são as classes de bibliotecários. Mas o que exatamente eles fazem? O que devemos esperar de um bibliotecário?

Salzburg e um pouco das minhas coisas favoritas

Para responder a estão questão do que devemos esperar de um bibliotecário, preciso levá-lo até Salzburg, na Áustria. Sobre a montanha da pitoresca cidade, há o famoso castelo utilizado pela família Von Trapp no filme The Sound of Music, seu nome é Schloss Leopoldskron e agora é mais conhecido como Seminário Global de Salzburg. O Seminário foi criado após três estudantes de Harvard, logo após a Segunda Guerra Mundial, com o intuito de ser uma espécie de campo de treinamento para líderes emergentes da Europa. Hoje, ele se ampliou globalmente e reúne líderes de vários países sobre diferentes temas.

Em 19 de outubro de 2011, um grupo de inovadores de bibliotecas e museus de mais de 31 países ficaram em Salzburg para discutir “Bibliotecas e Museus em uma Era da Cultura da Participação”. Fui sortudo em ter sido convidado. Através de plenárias e grupos de discussão, os companheiros deste seminário desenvolveram uma série de recomendações e estratégias para bibliotecas e museus em tempos de Facebook.

Um desses grupos ficou responsável em desenvolver recomendações em torno de habilidades necessárias a bibliotecários e museólogos no mundo conectado e participativo de hoje. Ao invés de trabalhar exclusivamente com habilidades de bibliotecários ou de museólogos, eles desenvolveram um currículo que abrangesse as duas áreas. Resumindo, eles apresentaram que os dois profissionais devem perceber a cultura participativa como ramificações para que desenvolvam novas competências e habilidades.

Grande parte deste currículo não é novidade para você que chegou até aqui na leitura deste livro.

Bibliotecários (meu foco aqui) precisam saber trabalhar com tecnologias, especificamente:

  • Engajar e envolver com a tecnologia;
  • Acompanhar as tecnologias através das gerações;
  • Criar e manter uma efetiva presença digital;
  • Usar a tecnologia para a construção coletiva de conhecimento.

Bibliotecários também devem ser qualificados em gestão de ativos. Isso inclui todas as habilidades técnicas que mencionamos, como catalogação, bem como preservar a memória e os materiais para as futuras gerações. No entanto, esta gestão não se limita somente ao acervo.

Já mencionei bibliotecas que circulam mais que livros e DVDs: algumas chegam a emprestar varas de pescar e até fantoches. No Fab Lab em Fayetteville, eles emprestam câmeras e materiais para a confecção de livros. No Brooklyn, há uma impressora que trabalha sob demanda imprimindo livros escritos pela própria comunidade. Na África, há o empréstimo de máscaras para cerimoniais, na Faculdade Comunitária de Onondaga você pode ver modelos de partes do corpo. Meu objetivo aqui é mostrar que os bibliotecários precisam sempre ir além, criando “acervos vivos” que acompanhem as necessidades de uma comunidade.

O próximo conjunto de habilidades desenvolvido com o trabalho em Salzburg gira em torno da cultura. Os bibliotecários devem ser capazes de alcançar efetivamente todos os setores de sua comunidade, entender seus costumes sociais, trabalhando com as diferentes necessidades de cada classe social.

Geralmente quando lemos isso acabamos associando somente as bibliotecas públicas. No entanto, trabalhando no ambiente de uma universidade, posso lhe afirmar que há muitas classes sociais distribuídas. Desta mesma forma, os bibliotecários escolares precisam também entender como trabalhar com professores e alunos de diferentes disciplinas e cursos.

Por muito tempo os bibliotecários se enclausuraram em suas bibliotecas, criando uma cultura do silêncio e obrigando que cada pessoa que lá entrasse se ajustasse a ela. São bibliotecários que criam limites.

O trabalho do bibliotecário é especializado e difícil. Navegando pela conflituosa estrutura do conhecimento, eles acabam por se deparar com outros profissionais, mais técnicos, o que acaba por lhes exigir uma formação e atuação diferenciadas.

Ser capaz de desbloquear os muros de nossos jardins e uma miríade de fontes e, em seguida, tecer informações abrangentes e compreensíveis é uma das habilidades mais valiosas numa economia do conhecimento. Dito isto, parte desse trabalho é fazer com que o resultado seja de fácil compreensão e utilização. Você deve esperar que o seu bibliotecário entenda as suas necessidades.

O currículo de Salzburg especifica uma série de habilidades em torno do conhecimento e aprendizado. Você deve esperar que seu bibliotecário seja eficaz e entenda como você busca novas informações, sintetiza novos conhecimentos e finalmente, como pode disseminar todo este conhecimento.

Um bibliotecário deve ser um profissional capaz de gerenciar qualquer operação dentro de uma biblioteca, o que inclui financiamento, gestão de projetos e serviços sustentáveis. Tudo de maneira ética. O bibliotecário precisa ser capaz de avaliar o impacto da biblioteca em sua comunidade e em comunicar este impacto. Especificamente, como a biblioteca pode colaborar com as necessidades e aspirações da comunidade?

Estas competências são se enquadram num conjunto de quebras de paradigmas, como temos percebido em alguns discursos. Um dos conjuntos de competências inserido no currículo de Salzburg que é algo novo: bibliotecários devem ter habilidades para a transformação e engajamento social.

A comunidade deve ser um lugar melhor por ter uma biblioteca. Os bibliotecários e a biblioteca devem adicionar novos valores à comunidade, o que se expressará em uma melhoria. Deve ser capaz de guiar a sua comunidade numa linha contínua de desenvolvimento. Para que isso aconteça, precisamos começar a utilizar menos o termo “mediador” e mais o “participante”, o bibliotecário precisa estar junto, trabalhando com todos, sendo um personagem ativo.

Como os bibliotecários agem ativamente, e alguns proativamente, para engajar em prol da mudança? Eles devem ser capazes de identificar o que a sua comunidade necessita. Eles devem ser capazes de ajudar a comunidade para que compreenda que todas estas necessidades podem se encaixar num projeto maior, como no desenvolvimento econômico. Devem ser capazes de facilitar o ativismo, saber negociar e gerenciar conflitos. Devem ajudar a comunidade a entender como estas iniciativas podem se sustentar ao longo do tempo.

Os facilitadores

Os bibliotecários têm habilidades em torno da tecnologia, gestão de ativos, questões culturais e engajamento para a transformação social. Eles usam estas habilidades em torno de uma missão: melhorar a sociedade facilitando a criação de conhecimento em sua comunidade. No entanto, há uma coisa engraçada em torno desta missão. Eu a criei em um capítulo de um livro escrito para bibliotecários chamado: Atlas of New Librarianship. E aí acabei ouvindo de editores, jornalistas, educadores e até de servidores públicos que esta missão que escrevi era a deles. E é verdade, todos estão certos.

Cada vez mais, profissionais da informação estão se dedicando em seus trabalhos para uma sociedade conectada onde a informação cada vez mais está prontamente disponível. Mais profissões estão buscando entender a importância das interações sociais e a complexidade de uma comunidade. Por conta disso, muitas profissões estão se aproximando cada vez mais, mas também em alguns casos pode ser desconcertante.

Alguns bibliotecários veem esta proximidade como uma ameaça. Querem se resguardar em suas atividades técnicas e buscam por uma fronteira que os proteja de outros profissionais da informação. É um grande problema quando você define a sua profissão pela função e ferramenta que utiliza ao invés da sua missão e impacto. Quando bibliotecários se definem da primeira forma, novidades se tornam ameaças, ou pior, quando alguém faz algo semelhante torna-se concorrência. Assim, o Google torna-se uma ameaça porque não usa catalogação descritiva e alguns bibliotecários o rejeitam. Já a Amazon é uma concorrente porque fornece livros e o que é “pior”, sem emprestá-los.

Sou usuário do Google, Amazon, Facebook e Twitter. Há um grande valor nessas ferramentas, tanto para os bibliotecários, como para a comunidade. Todos eles podem ser melhor utilizados se for em parceria com a biblioteca. É necessário que os bibliotecários mantenham seus olhos abertos para a criação de parcerias. Um estereótipo de que ele é um profissional isolado, calado, precisa deixar de existir.

Em algumas comunidades, os jornais locais e as bibliotecas públicas estão se tornando aliadas. São criadas estratégias entre jornalistas e bibliotecários para que a comunidade contribua na construção de notícias.

O poder potencial de um grupo formado por diferentes profissionais pode alcançar conquistas incríveis e cheias de benefícios.

As bibliotecas poderiam criar equipes com estes jornais para realizar a cobertura de eventos e de notícias locais. As escolas poderiam utilizar estes materiais em tempo real para discutir em sala de aula. Se uma escola pequena não pudesse pagar por um professor de um idioma, por exemplo, poderia ser feito uma rede de escolas que este professor viesse a atender e assim os custos seriam distribuídos. Até mesmo artistas locais poderiam usufruir disso, oferecendo seus serviços junto das bibliotecas, escolas e jornais.

Esta é exatamente a missão das bibliotecas. Criar equipes com missões em comum, de forma a construir um “tecido conjuntivo” que abrace toda a comunidade; ninguém poderia fazer melhor isso que uma biblioteca. Bibliotecas universitárias podem criar parcerias com empresas e editoras para a publicação das dissertações e teses, por exemplo. Bibliotecas escolares podem criar projetos em conjunto com professores, pais e alunos.

Acredite que o bibliotecário pode criar esta grande rede de relacionamentos, com diversos atores em torno de um bem comum.

A soma de um bibliotecário

Assim, o que seria um bibliotecário se não uma formação superior, um conjunto de habilidades e uma missão profissional? Eu diria que o bibliotecário é a atribuição destes três itens.

Bibliotecários mantem alguns aspectos profissionais: serviço, aprendizagem, acesso aberto, liberdade intelectual, segurança e honestidade. Ou seja, bibliotecários procuram servir, o valor do seu trabalho é mensurável a partir do impacto que dá nas outras pessoas. Valorizam muito a aprendizagem, de modo a facilitar que as pessoas aprendam. Valorizam o acesso aberto, para garantir que todas as classes tenham acesso ao conhecimento. Os bibliotecários valorizam a segurança e a liberdade num espaço rico e agradável. Tudo isso com honestidade, que também é valorizada.

Alguns destes valores eu já falei ao longo de alguns capítulos anteriores, exceto um: a humildade. Alguns de vocês poderão notar que eu não inclui “imparcial” na lista de valores, isso porque como bibliotecários não podemos ser imparciais. Como seres humanos, nós temos nossas próprias opiniões, visão de mundo, interpretações. A linguagem, sua etnia, o lugar onde você cresceu, sua educação, tudo isso influencia como você vê e interage com o mundo. Com tudo isso, é impossível ser imparcial, mas podemos ser honestos.

Veja as ciências. Eu sou um cientista da informação. Cientistas reconhecem que as pessoas possuem preconceitos e ainda conseguem mensurá-los. Como cientista, também sei que meus métodos podem ser falhos. Mesmo que minha pesquisa apresente dados que possam estar errados, eu posso afirmar isso na pesquisa. A ciência sabe a diferença entre o imparcial e o humilde. Bibliotecários também devem saber disso.

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